Em outubro de 2015 estreamos Fases em Salvador, uma performance poética com textos de Adriana Gabriela. Foi um belíssimo processo de pesquisas e experimentações que durou vários meses, no entorno da Pedra do Quilombo atrás do Farol da Barra. Esse processo ficou registrado num blog que alimentamos com Adriana Gabriela a partir de 2014 (ver aqui).
Como escrevi na época no resumo publicado no nesse blog: "Fases é uma encenação de texto poéticos em ambientes naturais. Nasceu numa paisagem de orla marítima, adaptável a outros contextos. É um convite para realizar uma imersão nas sensibilidades femininas dos textos de Adriana Gabriela que se fundem com a força e a beleza dos elementos que compõem essa paisagem: os rochedos, as ondas, as marés, o vento, os pássaros, o sol do entardecer, a lua crescente. O fio que conduz a ação é a história de uma personagem quase mítica: uma mulher que carrega no seu peito uma dor terrível que a leva até as bordas da morte, mas que nesse limite do desespero empreende um trilha interior que a levará a elaborar seu sofrimento com a força de seu corpo, a inspiração de suas ancestrais, e o poder de sua música. Finalmente, como em um ritual purificador a mulher de Fases se liberta da violência de seus medos e opressões acolhendo essa natureza transformadora."
Achei interessante recuperar e divulgar este material, porque em 2022 retornei a esse espaço para montar Antologia dos Mares. Considero Antologia dos Mares como uma filha de Fases e como uma neta de um trabalho coral experimental que dirigi em Buenos Aires muitos anos atrás em parceria com Mariela Machi... Para refletir sobre nossos processos criativos é fundamental poder revisitar registros de nossos trabalhos anteriores... Parcerias com otros/as artistas foram sempre uma fonte motivadora para mim. Além disto, Fases consolidou uma amizade com Adriana Gabriela que se mantém até hoje.
Nesta postagem que compartilho aqui, realizada vários anos depois (01/01/2023), recupero os registros realizados pela fotógrafa Caroline Paternostro e as peças de divulgação realizadas por Aline Carolina Teixeira.
Para completar este registro inseri, intercalados entre as fotos, fragmentos dos poemas de Adriana Gabriela.
Fotografias: Caroline Paternostro
Poemas: Adriana Gabriela
Peças gráficas: Aline Carolina Teixeira
Roteiro e direção de Fases: Martin Domecq
Um coração grita por novos caminhos. Há nele adereços de melancolia. Ainda que a estrada aponte pra ida, há sempre uma volta, uma dor de partida, um caminho que volta. Por onde passa flores crescem. Outras tantas morrem... E o que é a estrada senão a andada em estações de vida-morte-vida? Já que a estrada é também fértil pelas flores mortas, meu coração cultiva Outros campos, outras cores, outros sabores Sob o falecer das flores idas. Em suave desapego Tudo nasce e renasce. Não duvido, A morte aduba a vida!
Adriana Gabriela
Eu tenho tanto medo Lua. Tanto medo. Parece que me perdi. Parece que fiquei do outro lado, onde ninguém pode me ver. Sombreada. Você me ilumina incrivelmente bela e eu não tenho seu domínio. São só nuvens e uma multidão que não posso compreender. Você me fascina e eu choro, choro por não compreender, sequer este mundo, quanto mais o seu, pedra que brilha luz. Pensar em astros não me faz mais luz. Pensar em ti, lua, me encarrega de querer saber mais, mais e mais sobre a vida, inconcebível. Bebo do seu veneno. É doce e amargo. Amarelo e negro. É ouro brilhando acima de luzes. São pequenas partículas em devoção e eu aqui, sem saber. Tenho medo. Me diz. Tenho medo, e muitas vezes nem sei o que fazer. Tenho medo de estar só. Não ser mais que um astro solitário. A brilhar, eu sei. Um astro solitário a brilhar, por traz de nuvens. Que sentido tem tudo isso? Você se põe e minha face é bela. Tudo que esperei rever. Como aquele domingo, dançando luz, céu, luar em mãos. A Ilha de Itaparica agradece as suas telas. Mal posso respirar se lembro dela. Luar caindo por traz de sol. Quanta poesia! Você me lembra que nem tudo é isso e eu te amo. Ficarei a noite inteira te vendo ir, descer farta, torta, guia maior das horas de sonolência, perfeita saúde em seu ser. Afrodite. Mistério de vida. Minha alma cativa quer fugir. Eiiihhh. Bola amarela, dissolve entre as nuvens formas mil. Some e aparece. Se deita em nuvens. Vira flecha. Me banha de pressa de te ver entrar no mar. Cortante. Atravessa. Cria pêndulo. Mistura-se. Tece ninho. Faz meu coração bater miúdo. Penso em te abraçar... e não tenho mais medo. Te espero curar minha lágrima com seu ardor de fogo. Incandescência que reluz em minha porta. Me abre. Transpassa em mim meu coração. Cadê ela? (Silêncio...) A lua desce. Sumiu.
Adriana Gabriela
Eu nasci em pé. Em pé de pedra, bruta flor. Eu rogo à Deusa que me tirou do mais profundo silêncio para vir ter aqui, junta a outras tantas flores e cipós.Peço desculpa, sou mal educada. (riso) Não me apresento de frente, apenas apareço Cândida, e este não é o meu nome.Ninguém de fato reconhecerá meu leito, dado apenas a outra face na morte, ou, para aqueles que crêem.Procure-a. Procure a sebenta, a divina espírita santa senhora, a mainha das horas. Converse com ela que de cá verá relampejante reluzente e amante luarada, luar, lunar, pedra de assombração. Aquela dor que dá em tudo e é foice, lua nova em bastão. Feiticeira minha, mulher. Nem sempre o dito é compreendido. Feche os olhos, sinta esse ar fresco, ouça essa multidão que não te deixa dormir... e deixe ela passar. Respire comigo um sopro profundo e chore, chore pra lavar sua visão.Estamos inteiramente em nós? Ou essa busca é tradição surrealista? As vezes eu acordo no meio da noite e vejo ela me olhando... ah...eu olho pra ela e não sei de nada, Apenas olho, porque ela me olha, noturnamente ela me olha e cobre meu corpo de luz. Estou possuída, passista de sonhos, vislumbre... estou viva, estou fértil.
Adriana Gabriela
Hoje veio me visitar um sentir de ser outra, a mulher que me assusta me entrelaçou com seu rabo de sereia. Serei eu? Será ela? E eu despi minha pele com delicadeza...peça por peça um mundo crescia em segredo... O avesso é o medo de olhar no fundo. Da matéria do mundo o meu corpo é feito. A escuridão é também o meu reduto. Se onde há sol, há sombra, de sol e sombra me completo. Sou encanto, sou solidão. Posso ferir ou ser aconchego. Eu sou má. Eu sou mar. Eu, a mulher que virá.
Adriana Gabriela
Depois de amar e amar e amar um pouco mais amar,
é como que depois de sofrer e sofrer e sofrer,
uma escolha triste,
desejo e medo,
dois papéis de parede,
insistentes.
Se por amor ou por temor,
vai que engraviste do que é teu,
não esqueça de ser renitente,
Nesse liquefaz de nutrientes que nem se sabe bem qual bem que tem,
pergunte-se com fervor, que quero parir?
Se é que há espaço para certezas lógicas...
Mas é sempre espaço para vontadear,
mesmo diante de esquisitices,
Aceite, mas pense em seu bem,
Você, dobrado ao meio, perdido no espaço,
com a garganta cheia de alguma coisa,
e as tetas, tetas!
Barriga nem se fala,
embrulhos de vislumbres,
marés de março em começos de sonho,
O corpo sente tudo.
Tsunami! Ânsia!
Quando será a hora?
De que?
Quem, quem, quem, quem?
O qu ê, o quê, o quê?
Preste atenção,
siga o rastro de seu olho
e vá parir.
Mas Como parir? Se até isso desaprendi.
Eu não sei o que se passa em meu corpo.
Eu perco poemas.
Eu reclamo dos dias.
Eu não sei exatamente o que fazer de minha vida.
Eu quero deixar alguma coisa boa na existência,
então deixo, para além de todo esse medo,
O ardor de ser movida pela vida
e suas estações.
é como que depois de sofrer e sofrer e sofrer,
uma escolha triste,
desejo e medo,
dois papéis de parede,
insistentes.
Se por amor ou por temor,
vai que engraviste do que é teu,
não esqueça de ser renitente,
Nesse liquefaz de nutrientes que nem se sabe bem qual bem que tem,
pergunte-se com fervor, que quero parir?
Se é que há espaço para certezas lógicas...
Mas é sempre espaço para vontadear,
mesmo diante de esquisitices,
Aceite, mas pense em seu bem,
Você, dobrado ao meio, perdido no espaço,
com a garganta cheia de alguma coisa,
e as tetas, tetas!
Barriga nem se fala,
embrulhos de vislumbres,
marés de março em começos de sonho,
O corpo sente tudo.
Tsunami! Ânsia!
Quando será a hora?
De que?
Quem, quem, quem, quem?
O qu ê, o quê, o quê?
Preste atenção,
siga o rastro de seu olho
e vá parir.
Mas Como parir? Se até isso desaprendi.
Eu não sei o que se passa em meu corpo.
Eu perco poemas.
Eu reclamo dos dias.
Eu não sei exatamente o que fazer de minha vida.
Eu quero deixar alguma coisa boa na existência,
então deixo, para além de todo esse medo,
O ardor de ser movida pela vida
e suas estações.
Adriana Gabriela